sexta-feira, 26 de outubro de 2018

Medos passados

Quando eu era criança, odiava as festas de dia das bruxas promovidas por uma prima minha.
Havia um medo desmesurado em mim em relação às fantasias de terror. Máscaras de bruxa, capas e dentes de vampiro, chifres de diabo... era uma tortura.
O medo se dava pelo temor ao desconhecido, por imaginá-lo sempre como um perigo. Um medo incerto, inconcluso, precavido.
Senti esse mesmo medo - específico, singular - quando tive meu primeiro caso de amor romântico. O desconhecido dessa vez tomou formas de inseguranças pessoais. Era o medo da perda de um ideal.
Hoje, voltando para casa, no metrô, vi umas pessoas com fantasias e maquiagens impecáveis de bruxas, palhaços e monstros. Eram muito parecidas com as que eu via quando criança nas festas da minha prima. De início, senti um tremor, algo inconsciente dentro de mim dizendo 'alerta, há o perigo do susto'. Eles se aproximavam lentamente, imponentes, absurdos, provocantes. A criança dentro de mim se encolhia.
... olhei detalhadamente para cada um enquanto se aproximavam. Afirmei pra mim mesmo com uma convicção inabalável: "já não tenho mais medo". E, a cada olhar que eu dava, a criança assustada ia se desvanecendo. Aos poucos ela ia se tornando aquele que sofreu pelo amor romântico. E, enquanto eu olhava para os sangue artificial na testa da bruxa, eu ia deixando de me importar com a perda do meu primeiro namoro. Enquanto eu observava o nariz do palhaço, o meu antigo ciúmes ia se transformando em liberdade pessoal. Enquanto eu via o grupo de fantasiados irem embora apenas para se divertir, minhas perdidas ilusões românticas se tornavam a imposição da realidade.
O adolescente desapareceu de mim também.
Meus medos do passado hoje são minha força motriz: importar-se com medos reais. O desconhecido se-me é e o que está além já não me interessa.

Resultado de imagem para espiritos

quinta-feira, 25 de outubro de 2018

Monólogo da ninfomaníaca doente


Pensando na minha vida, chego a uma conclusão:
Tudo que faço acaba gerando confusão.


Acham que sou virgem, me chamam de louca.
Enganam-se: não sou uma coisa, nem outra.


Esses dias fui até pedida em casamento
Mas só que o cara é meio xexelento


Ele acha que eu sou moça pura
Mal sabe ele que eu sou é puta


Ele disse que quer me experimentar primeiro
Mas esse cara é mesmo um velho grosseiro


E ainda por cima jura me amar profundamente
Quero ver quando descobrir que sou uma ninfomaníaca doente

E que explode em mim um desejo latente
Um fogo ardente
Eu gosto do prazer, o doce e venenoso prazer.
Que quando me toco eu me permito ter


E que escorre lentamente por mim.
É uma satisfação sem fim.


O sexo é como uma necessidade explosiva.
Que me abre a  possibilidades desmedidas.


Pelo luxo da minha carne, no pecado do meu corpo nu.
Em se tratando de nhenheco eu sou quase uma guru.


Porque nessa área eu tenho muito experiência
Além de datilógrafa, sou mulher da vida e tenho muita saliência.
E malemolência.


Não quero me casar com esse zé punheta
Só daria pra ele pra ver a cara desse xereta
Quando ele descobrir que eu não tenho uma boceta.

domingo, 13 de agosto de 2017

A dança da noite

No silêncio da noite, eu danço.
Danço sem fazer muito barulho para não acordar meus semelhantes.
Os primeiros passos são leves, pois a música começa com um ritmo suave - um, dois para o lado direito; três, quatro para o lado esquerdo.
Levanto meus braços e começo a rodopiar as minhas mãos, movimentando todos os dedos, sentindo toda a força de um ritual que consiste justamente na leveza.
Meus olhos estão fechados para que eu possa sentir a minha obscuridade e não o breu do entorno. Conheço e sei lidar com a intensidade do meu ser, mas não sei se estou preparado para a do mundo.
Continuo a dançar, intensifico os meus movimentos a fim de aprender mais sobre a necessidade que tenho deles. Ou compreender a necessidade que eles têm de mim, afinal, é o ritmo que me controla e nunca o contrário.
Há diferentes tipos de danças para vontades e sentimentos variados: a valsa dos românticos, a quadrilha dos divertidos, o balé dos disciplinados, etc. Somente uma delas é cabível de ser dançada na solidão - e os passos são feitos sempre à noite, a partir do medo e da necessidade.
Por alguma razão que desconheço, essa dança me escolheu e é meu destino segui-la.
A dança da noite me protege dos meus inimigos ocultos.
A dança da noite faz eu me aproximar dos meus desejos mais profundos.
A dança da noite nunca falha comigo.
E eu permanecerei dançando no escuro enquanto não encontrar a minha essência na luz do dia, pois esses rituais noturnos têm sido a minha salvação enquanto eu não encontro quem saiba acompanhar meus passos. A noite é bonita como o dia e a prefiro. Apesar de saber da importância de ambos: não é uma dicotomia.
Só tenho uma certeza: enquanto houver vida para meu ser, haverá dança para que minha existência não deixe de ser um trabalho de arte.
Para que eu seja sempre a maior expressão do que posso ser.

                        Imagem relacionada

sábado, 15 de julho de 2017

Amor em quatro elementos

I.
Amor é vital, que nem água.
Flui que nem rio.
É sereno como um mar calmo.
Mergulhe. Afogue-se.
Ou beba.
Amor é também a sensação de matar a sede.

II.
Amor é terra firme.
Ou areia do deserto.
É base. É caminho.
É uma árvore - cresce de dentro (raiz) para fora (tronco, galhos e folhas).
É plantar e cultivar.

III.
Amor é clima ameno.
É o respirar tranquilo e o sentir da brisa suave.
É o vento gelado que toca na face e causa arrepios.
É o voo em liberdade.

IV.
Amor é fogueira em tempo frio.
É a intensidade em consumir.
Queima e ilumina.
Não pode ser contido, nem apagado.

Amor é a integração dos quatro e nunca só os fragmentos.
Ninguém vive sem.


Resultado de imagem para árvore raiz


quinta-feira, 22 de junho de 2017

Sede

por Matheus Campos

Todo ser possui diferentes versões de si a perambular pelos seus purgatórios.
Por outro lado, várias outras permanecem vivas e batalham por espaço em uma vida cada vez mais exígua.  Vivem com sofreguidão, mas vivem. Devemos nossa atenção a elas.
Há também algumas que são privilegiadas e só têm vontades banais. Não sofrem, não imploram por nada, não são excluídas. Aparentemente plenas, porém fracas. Qualquer coisa que não busca ou não necessita vai se enfraquecendo cada vez mais - até a existência ser somente o que já é por si só: existir. Ocupa-se o vácuo.
As nossas criaturas mais fortes são mesmo aquelas que estão vorazmente em busca de sobrevivência.
São os nossos vampiros sedentos. 
E entre eles ainda há a divisão: os que degustam o sangue e os que se alimentam dele com um instinto selvagem. 
O próprio sangue.
Aprendi a deixar que se alimentem do meu sangue, pois compreendo a sede. 
Compreendo também a satisfação. 
Das vezes que bebi doses quando a sede era de litros.
Do tempo que eu não me permitia me entregar à ausência e hoje, junto com a fantasia e a imaginação, ela me consome. E vampiros diáfanos me sugam. 
É natural. 
É tão natural que me rebelo quando tentam proibir que eu beba dessa fonte.
Sirva-se. 
Assim como não se ensina a respirar, não se ensina a beber: bebe-se. 
Só não pode ficar com sede.

                     


quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

Iminência

O antes e depois de um abraço imaterial.

por Matheus Campos



Antes de tudo, peço perdão pelo pecado de escrever palavras melancólicas em noite de lua cheia. Juro que contemplei com sensibilidade toda a beleza da qual me foi apresentada, mas não consegui escapar do abraço de um espírito abatido, que há tempos clama por minha atenção. Tolice a minha achar que poderia fugir. Eu já compreendi que, de alguma forma, ele sempre volta.

Aliás, confesso que essa minha resistência àquilo que já se faz presente é parte de certo fetichismo. Sinto prazer em descobrir sensações – afinal, elas só são descobertas em atos de rebeldia. É uma contínua busca de controle dos sentidos que vão além da carne, além da alma. O abraço melancólico do meu encosto não é ruim, pelo contrário. Sinto-me aquecido e acompanhado. Mas eu tento resistir. Resisto para criar uma batalha de contrários: o amargo ao doce. A solidão à companhia. O ímpeto à paciência. Etc.

Só assim as coisas poderiam caminhar. A longa e tediosa estrada bifurca-se após os conflitos.

O problema é que não tenho força o suficiente para confrontar os meus contrários perfeitos, ou seja, tudo aquilo que já é por si só: o tempo, as dúvidas, os medos, os desejos. A incerteza. Todas essas coisas constituem a forma imaterial do espírito que olha para e por mim– por vezes angelical, noutras demoníaco.

Concedi então, pela primeira vez, a permissão do abraço sem medo. Ironicamente descobri uma sensação nova também ao ser acarinhado: a iminência. Enquanto não havia batalhas, nada acontecia. Surgia então a sensação de ameaça, aproximação, urgência. Mas do quê? Não soube e não teria como saber. Eis o desespero: o logo, o quase, o não concluído.

Sei que o intuito do desconhecido é também me trazer paz. Quantas almas errantes poderiam encontrar refúgio neste abraço que deriva no vazio?

O meu sufoco surge por conta de eu ser imbuído de propósitos. Ou por pensar que sou.

Fecho os olhos e busco adentrar na realidade sonífera. O abraço se desfaz. As sensações morrem antes do amanhecer para, logo mais, dar lugar a outras.

O espírito, portanto, fica iminente ao meu renascimento.





quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Alter ego


A construção do meu outro eu é a minha desconstrução mundana. 
O primeiro passo é sempre a dúvida.

por Matheus Campos


Incertezas  
                                  
Foi-me dito que tudo é uma grande ilusão. 
Querida amiga, por favor, não me deixe acreditar nisso. Conte-me uma de suas histórias que me ajudam a ter esperança. Apresente-me novamente à luz antes que eu obscureça no limiar da insanidade. Encontro-me num cambaleio de crenças e suposições entre a palavra espiritual e a palavra terrena. Onde você se encontra? Onde deveríamos nos encontrar? - aliás, quando foi que nos perdemos?
Não imponho minhas considerações acerca de minhas próprias dúvidas, pois não tenho convicção de nenhuma delas. Eu sei que deveria ter. A certeza deveria habitar na significação nos sentimentos ou da racionalidade - mas não há. Como hei de viver sem ela?
Por um tempo a ilógica da fé me desabituou ao pensamento. Eu era preciso naquilo que era incerto. 
Agora, portanto, penso e cambaleio. Com todas as minhas incertezas e desequilíbrios, tento procurar a ti e consequentemente a mim. 
Cadê você, querida amiga?


Desejos

O prazer não é ilusório. 
Quantas sensações cabem na contemplação da beleza do outro, na suavidade do olhar, na tempestuosidade da paixão? A minha imaginação me dá a oportunidade de me tocar e fingir que você está aqui.  Dois amantes. Duas facetas apaixonadas.
Toque. Olhar. Sentir.
E então respiro do seu ar.
Bebo do elixir da sua essência.
Seu gosto é agridoce.
Confundimos um ao outro e já não sabemos quem éramos. Não sabemos quem somos. 
Cadê você, il mio amore?


Metamorfose

A arte é o máximo alcance de estar vivo.
Transfiguro-me nas minhas fantasias e as torno reais. Crio personagens em minhas poesias, em minhas canções, em minhas histórias fictícias: eles se adaptam, têm recaídas e, principalmente, se reconciliam com o meu passado. Na arte há disciplina e impulsividade. Há metamorfose.  A cada passo de dança me deparo com a morte e a conduzo para meu bel-prazer. 
Canto, danço, imagino: uma vez, duas vezes. Quantas vezes for possível. 
Aos poucos me canso. Sinto dor e ainda sim me sinto satisfeito.
Eis o poder da estética e da criatividade.
Eis a minha capacidade de me reinventar. 
Cadê você, estabilidade?



Ambição

Há uma enorme frustração nas limitações do dia a dia.
A rotina e as obrigações. Os medos. As injustiças. O que ambicionar? Até onde podemos chegar?
Até quando devo tentar me encaixar?
Estar vivo me dá a capacidade de tirar tudo o que posso do que me permeia. Tudo a meu favor. O meu poder está na minha resistência contra o que esperam de mim. A minha ambição é ser mais do que eu espero de mim.
Os meus questionamentos, os meus desejos e a minha arte se confluem.
Cadê você, foco?


Presente

Revérbero pelas possibilidades e me sinto ameaçado pelo pessimismo. Por que temos perguntas se não para serem respondidas? Por que temos desejos se não para realizá-los? Por que temos a arte se não para demonstrá-la?

As palavras são a minha catarse!

Mas... sei que ainda não estou livre, pois ainda não o encontrei.
Cadê você?

...

Quem é você?


Resultado de imagem para nude male art


"Como se sua vida se emancipasse e tivesse de repente seus próprios interesses, que não correspondiam de maneira alguma aos dele. Ele se sente responsável por seu destino, mas seu destino não se sente responsável por ele."  Milan Kundera.