Parte I
Quando abriu
os olhos, viu-se perdido e sozinho no meio de uma multidão.
Suas memórias
estavam dispersas. A única clareza que tinha em mente era que precisava
percorrer um árduo caminho nesse novo mundo que adentrou sem nem saber direito
como. Estava tão confuso que desconhecia sua própria identidade – antes tinha a
certeza de que era um anjo, mas ele não tinha asas, então concluiu que não
podia voar, e por isso ele não era um anjo. Estava perdido, com medo e com uma
angústia crescente no seu intrínseco. Como ele seguiria esse caminho que estava
predestinado a seguir sendo que nem ao menos conseguia descobrir quem ele era?
O céu estava cinza e as pessoas estavam dispersas caminhando sobre uma vastidão de chão asfaltado por paralelepípedos. Passou por uma
vidraça e viu no reflexo de si que tinha as mesmas características que todos
aqueles outros seres tinham, embora fosse mais estranho e desajeitado – talvez pela
confusão interior em que se encontrava. Mas mesmo assim, não se deixou enganar.
Sabia que era diferente e todo o resto deu a entender que sabia disso também.
Ele sentiu isso nos olhares que o encararam. Mesmo assustado, nas dificuldades
que o permeavam por ser um indivíduo solitário, tentou buscar ajuda. E nessa
tentativa foi ignorado, rejeitado e até mesmo humilhado. Isso o entristeceu e
fez com que percebesse que estava no meio de monstros. E se tinha monstros, deveria
haver alguns anjos, sem asas, escondidos e calados pela maioria que amedronta E
é claro, provavelmente em algum lugar os deuses observavam a todos.
Ele não podia
ficar ali parado. Portanto, na esperança de encontrar o seu rumo, partiu pela
única opção que tinha: Seguir o rumo de todos os outros que ali se encontravam –
e isso o afligia mais do que qualquer coisa. Estava seguindo um caminho que não
conhecia para conhecer o seu próprio. Emergiu-se no desconhecido e infiltrou-se
silenciosamente entre os monstros para tentar resgatar a sua alma angelical que
se perdeu em algum lugar. Ele era o nada. Inócuo. Aliás, tudo ali também era um
grande vácuo.
E ele não
sabia de nada...
Parte II
Passou-se
muito tempo, e aquele ser não identificado já não estava mais perdido, nem
sozinho. No início, apresentou-se como um papel em branco, e agora foi tão
rabiscado que se concretizou como uma arte abstrata. Descobriu que era sim um
anjo e as suas asas desabrocharam, mas elas são negras e o pesar de tudo que se
tornou naquele mundo o impede de voar.
O fato é que,
sem saída, ele não pôde escapar da multidão e se tornou parte dela. Ele se
adaptou ao mundo e absorveu um pouco de tudo pelo que passou. Apesar de que a
essência de indivíduo perdido e solitário permaneceu. A sua redescoberta como
anjo foi após a transgressão de criar uma fantasia de monstro, abalando a sua
moralidade e tornando-o um hipócrita. Mas ele não tinha culpa de nada disso.
Não havia nenhum manual de instruções para ajudá-lo, e já estava cético de que
não existia mais nenhum rumo. Se não conseguia lembrar-se de seu início, não
compreendia o seu presente, então como saberia de seu fim?
Foram muitos
os aprendizados que adquiriu ao longo dessa viagem sem fim nesse novo mundo.
Ele finalmente construiu uma espécie de identidade e adquiriu valores. Aprendeu
até a lidar com sentimentos de uma maneira racional! O novo se desmistificou em
sua vida sem significado nessa terra em que tudo parece ser totalmente
aleatório – ou exatamente o oposto disso.
Apesar de ter
adquirido malícia, sua inocência foi, em partes, mantida. Apesar de todo o
sofrimento, ele também possuía ainda a esperança e o otimismo. Ele se tornou
generoso e ao mesmo tempo egoísta; Um pouco rancoroso e ao mesmo tempo
complacente. Ele agora é uma contradição sem sentido e odeia isso – e mesmo
assim aprendeu a ter estima por si mesmo.
No meio dessa
espécie que ele aprendeu a conhecer e a conviver, esse ser que é um híbrido de
monstro e anjo encontrou companhias agradáveis que estão com ele até hoje.
Essas das quais aprendeu que pode chamar de “amigos”. Mas mesmo com a
identificação e aceitação deles, ainda se sentia solitário. Ouvia-se falar
muito sobre “felicidade”. Quando pediu aos amigos pelo significado disso, não
compreendeu e percebeu que não tinha aquilo plenamente – e duvidou que
existisse.
Então deu uma missão a si mesmo: Buscá-la.
Essa tal de felicidade. Entendeu que isso estava atrelado a outra coisa da qual
não tinha muita compreensão também: Amor.
E foi aí que
ele descobriu que podia talvez encontrar um rumo, mas dessa vez precisava trilhar
o caminho sozinho...
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