sábado, 3 de maio de 2014

O Híbrido - Parte IV e Parte Final


PARTE IV

                 Apesar de ter asas, o híbrido teve de manter os pés no chão.
Naquela realidade, voar era como um sonho utópico. Aliás, voar era possível sim, mas também havia a queda imprescindível como consequência. Então surgia o medo que paralisava a vontade de alçar voo novamente.
Ele nunca deixou de passar por um constante processo de aprendizagem. Algumas coisas foram fáceis de aprender e usar deste conhecimento; Outras ele teve que passar por experiências das mais dolorosas para só então entender. Aprendeu coisas importantíssimas ligadas à sua busca - a da felicidade - e descobriu que era inútil perseguir algo que não existe em sua plenitude. Foi frustrante para esse ser, mas só após essa e muitas frustrações descobriu algo bem simples pra qualquer um: Viver não é fácil. Até mesmo o amor, sentimento que pensou ser tão puro e simples, era um dos mais complicados. Achou que por ter carinho e predisposição para o próximo, amar era tarefa que se tirava de letra. Mas enganou-se. 
 A relação que passou a ter com aquele outro que tornou-se seu companheiro foi o estopim para várias reflexões acerca de como ele era e como lidava com o íntimo e as pessoas em geral. Este companheiro, que se considerava mais monstro do que híbrido, prostrou-se com muita paciência e confiança para esse estranho aparentemente inocente e ingênuo híbrido que apareceu na vida dele. E nessa relação, esse último aprendeu valores de companheirismo, confiança, respeito, liberdade e independência. Claro que passou por muitas dificuldades para aprender tudo isso, mas o mais importante é que superou todas elas. Iniciou também um processo de olhar mais para o seu interior. A reconhecer-se antes de tentar reconhecer o outro.
As experiências pelas quais o doce ser passou na vida antes de adentrar nessa realidade obscura ainda não lhe vem à memória, mas certamente houve situações que o traumatizaram.
Em um determinado momento de reclusão, quando se viu distante do companheiro do qual criou tanta dependência e sentimento, os Deuses entraram em contato com o híbrido. Revelaram-lhe que eram a sua família. A sua origem. E então ele se lembrou - e foi uma lembrança dolorosa.
Os Deuses estavam decepcionados com o lado monstro dele. Diziam que o anjo deveria prevalecer. Mas não, não! Tudo aquilo era muito injusto! A monstruosidade era parte dele e ele não considerava feia, e sinceramente, nem bonita. Apenas realidade.
O que os Deuses poderiam saber da realidade que foi lhe mostrada de maneira tão cruel?!

PARTE FINAL

Muito tempo depois, o híbrido compreendeu os deuses.
De início, ele não quis aceitar a sabedoria dos mais velhos, pois era teimoso. Escutou conselhos de pessoas experientes e rejeitou todos, pois a sua arrogância e seu egocentrismo predominavam no estilo de vida que ele estava levando. Apesar de que não poderia ser diferente, ele não tinha como modificar-se. O seu orgulho era um marco. Suas decisões eram inquestionáveis por terceiros, porque ele seguia o seu coração. E foi assim, seguindo o seu instinto, que ele aprendeu. E aprendeu bem.
Foi preciso que ele perdesse tudo. Aquele que o acompanhava, encontrou outra pessoa e o abandonou. Toda essa vida construída em sua mente ilusória foi desmanchada. Então, quando voltou a realidade de si e ao conhecimento de sua origem, o retorno de suas memórias, sua vida se fixou. E ele era um novo ser.
Nessa sua nova perspectiva, passou a entender o que antes era ininteligível para si. O apego era estupidez, as necessidades escassas, e o amor deve estar dentro de si, e assim, a felicidade só depende dele mesmo. Somente o híbrido pode fazer seu voo. Somente o híbrido pode cortar suas próprias asas. E somente os seus deuses podem salvá-lo em momentos de apuros. Ele ainda tem o outro lado de seu ser, o famigerado "monstro", que quer experimentar o novo, que quer sorver de cada momento, cada prazer, que precisa ser preenchido por fatores externos. A sua luz vem de dentro, mas a escuridão o cobre. O anjo maculado. O monstro abençoado.E ele voa. Voa alto. O híbrido segue seu caminho convicto. Não pleno, mas firme.

Até o momento em que ele se tornar também um deus e construir seu próprio reino.