domingo, 3 de agosto de 2014

O sonhador

Cansado de tanto caminhar, o sonhador estava sentado no meio do mato, encostado a uma árvore de raízes antigas. Sentiu que precisava de um longo período de descanso.
Porém, só o seu corpo entrou em estado de repouso. No seu íntimo, predominava a confusão dos pensamentos e a balbúrdia das sensações. Era uma contradição estranha e recorrente em sua vida – e muito incomum nos dias atuais: Tudo ao seu redor emanava tranquilidade, mas o seu espírito clamava por paz e equilíbrio. Ele estava em um desespero que não era expresso ao mundo. O seu torturador só era conhecido por ele mesmo: porque era ele. O sonhador era criador e autodestrutivo. E essa destruição também era uma construção.
Toda essa tortura era movida pelo seu principal ofício: o de sonhar. A sua caminhada que levou ao cansaço era guiada pelos sonhos. O inimigo que mantém a inexistência da paz e equilíbrio de sua alma também.  Mas esse inimigo era o seu principal motivador, aquele que também mantém a chama da esperança acesa. A vida é um jogo, e o sonhador só sabia jogar com passos largos. Sempre ansioso. Sempre visando o que há à frente. Procurando aquilo que ele ainda não tem.
Ainda em repouso, fechou os olhos e tentou não pensar em nada. Nada. Tão improvável. Não há o ‘nada’ para pensar, o espaço sempre se ocupa. E por isso, as reflexões, as lembranças e os medos foram surgindo. E os sonhos, sempre os sonhos.
Aos poucos, isso já não o torturava mais e se tornou a sua única maneira de se sentir tranquilo. Talvez a tortura estivesse mais ligada à resistência da realidade do que a realidade em si.
Já descansado e com um requinte dos prazeres da natureza e do ócio, decidiu que estava pronto para voltar a caminhar. E dessa vez, o sonhador estava feliz por ser aquilo que ele era. Sonhar era uma dádiva. Enquanto permanecesse vivo e seu jogo intacto, o sonhador simplesmente sonharia.


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