segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

O labirinto

                               
Veja!
Há uma criatura que se tortura no meio do caminho.
Não é humana, disso tenho certeza, pois possui um aspecto bestial atroz.  
Reparando com atenção, pode-se ver que ela está trocando a própria pele, substituindo uma feia e suja por uma nova, com cores mais vivas. Como uma serpente! Sim, exatamente como uma serpente!
Mas ainda assim, aquilo não era uma cobra. Certamente não.
Ao concluir o processo de metamorfose, aquele ser passa a se rastejar. Está se conhecendo e tendo a percepção do ambiente sombrio que o permeia.
De início, mostra-se curioso ao ver apenas paredes de concreto e corredores a cada entrada visível.  Não sabe por qual caminho prosseguir. Ou se deve prosseguir. Não há a mínima compreensão do que se é, de como foi parar ali – aliás, aos poucos, surge apenas uma inicial certeza: a de seus desejos.
Não posso enxerga-los, mas os seus instintos naturalmente clamam por carne. A criatura, que também é carne, passa a grunhir encarniçadamente buscando mais do que isso. A busca é a de um preenchimento. Um poder visceral leva-o a rastejar por cada corredor. Por todos os caminhos ele adentra desesperadamente à procura. E procura sem cessar.
Até que esgota-se pelo cansaço.
Deprime-se pela solidão.
Mas, aos poucos, ele começa a perceber que não está sozinho. Ele sente o calor da proximidade. E, de fato, ele não está só. Há eu, que o observo sem seu conhecimento. E há mais duas presenças, imateriais, porém vivas. 
Poderia fazer mistério sobre elas, mas não. São onipresentes e se apresentam por suas vozes que ecoam o labirinto, atordoando ainda mais a criatura. Pensa que está delirando, obviamente, e tenta não dar atenção àquele barulho, mas é insuportável. 
Então, de um ímpeto, elas vão ao seu encontro: Uma se apresenta como Razão, e a outra, Emoção. São indescritivelmente belas, porém, obscuras. Meras palavras não são encontradas para descrever as suas características. São enigmáticas como aquele ser.
A criatura, desconfiada, somente as questiona com uma simples dúvida:
 ‘Qual o propósito?’
Elas, surpresas, dão grande espaço uma à outra. A primeira que responde é a Razão:
‘É um jogo. Do qual as regras nunca mudam - apesar de que as peças e os jogadores são variáveis, dispostos à mutação. Assim como você fez com sua pele. ’
A Emoção, por sua vez, lhe dá um alerta:
‘Cuidado com a forma como você vai jogar, e principalmente como lida com o jogo. Vejo que há cólera em ti pela falta de compreensão, mas há também a sua sensibilidade, que permite dar espaço à esperança de encontrar um fim. Intua-se. ’
O ser passa a ter mais clareza e tenta encontrar sua própria saída. Aquele jogo foi criado por ele mesmo, enredado em seus próprios conflitos. A perdição era a sua sina.
As regras realmente nunca mudam.
Agora, ele segue o seu caminho guiado por ambas as presenças reveladas.
Eis que, inesperadamente, surgem novas. Essas estão seguindo a Razão e a Emoção o tempo todo:
Essas se apresentam como As Palavras!
São as mais perigosas de se lidar
Tanto que a criatura perdeu-se entre elas.
As Palavras, sem ele nem perceber, o fizeram de refém.
E As Palavras, ironicamente, recitaram as seguintes... palavras:

sei que o coração paga
pelo que tua boca fala
é como receber um tapa
da mesma mão que te afaga

a vida cospe na tua cara
o vil sangue que escarra
e o que sucede te mata
pois há medo e algazarra

Ele tenta fugir. Medo e algazarra.  As palavras ecoam...
Medo e algazarra
Ele corre...
Medo e algazarra
O som cada vez mais distante...

Até que ele encontra uma escapatória.
Para isso, mais duas companhias aparecem para ajudá-lo:
O Prazer e a Dor.
Mas, ao contrário das outras, elas se instauram no silêncio, que é uma espécie de porto seguro.

O Prazer lhe toca, mas quem ele sente se aproximar é a Dor.
Ele, novamente, recorre à Emoção para se livrar da angústia de se sentir dolorido, mas ela também o tortura. Uma doce tortura da qual ele quase se apaixona.
Só quem lhe resta é a Razão...
Mas não dá pra deixar de lado a Emoção, mesmo sendo tão difícil aproximar ambas.
Impossível.
Ou será possível?
De algum jeito?
Qualquer que seja?


Talvez eu saiba a resposta, mas não posso dizer. Não quero estragar o mistério.

Afinal, é a única forma de encerrar o jogo.