domingo, 14 de junho de 2015

Memórias de um corpo sem destino

Por Matheus Campos


A criatura surgiu na terra como o mistério das coisas.
Seu objetivo era único: transfigurar em pessoas com diferentes vidas até encontrar um propósito. Independente de gênero, raça ou estratificação social.
Para isso, em uma dimensão paralela à que nos é perceptível, o ser caminhou em busca de alguém para se acolher e, sendo assim, for capaz de adentrar no mundo conhecido e habitado por nós.
Por quem começar?
Talvez pela ingenuidade da infância. É gostoso começar por um falso início mesmo sabendo que só o fim justifica tudo.
Adaptou-se primeiro a um menino com sonhos inocentes, tais quais construir uma casa na árvore ou sair voando de balão.  Apesar de um pouco tímido, sabia ser bem brincalhão, e estar nele era divertido. Uma das suas maiores alegrias era a de estar confortável no carinho materno, pois sua mãe se mostrava sua maior companheira. 
O problema é que a criatura não coube lá por muito tempo. Teve que assassiná-lo pelo mal inevitável de todas as crianças: o desejo e, enfim, a consumação de tornar-se adulto.
Voltou a demudar para o inócuo e a caminhar no vazio alheio ao caos da terra. Não tardou até encontrar uma adolescente virgem - ela foi a nova escolhida naquele momento.
Foi uma experiência interessante ser uma garota bem religiosa, moldada aos ensinamentos do cristianismo. Carregava pudores e medos condizentes com os que sua amada família lhe impôs. Tinha metas simples na vida, como encontrar um homem bom e trabalhador para que, posteriormente, casasse e tivesse filhos. Também se concentrava nos estudos, pois, profissionalmente, queria se tornar uma professora.
Sua perdição foi quando entrou em conflito com seus próprios valores: apaixonou-se pelo marido de uma amiga. Um homem bem mais velho que provocava nela desejos impuros e sonhos com situações imorais.
Para se proteger do suicídio, essa não durou muito.
A próxima também foi uma mulher. Dessa vez, uma princesa rica e inteligente, porém completamente fascinada por amores românticos.
Sempre sonhou em encontrar um príncipe perfeito. Alguém belo e encantador que a fizesse se sentir realizada.
Por sorte, ou ironia, ela encontrou esse príncipe supostamente perfeito.
Viveu com ele todos os ideais de um casal. Toda a paixão flamejante que incendeia os corpos de ambos. Os encontros, os beijos, os olhares penetrantes.
Além de todos os sonhos uniformes que iludem ao fazê-los pensar que o ‘felizes para sempre’ é algo crível.
Ela o considerava como o grande amor de sua vida - uma espécie de alma gêmea. Toda essa concepção levava ao apego. A vontade de estar o tempo todo juntos. O desejo dele e de mais ninguém. 
Eis que ela descobre uma traição. 
O seu amado príncipe vivia outro romance (ou outros, quem sabe). Tinha desejos e ambições com uma mulher que não era ela.
Não podia suportar aquilo jamais! Era cruel demais e não havia como perdoar ou haver qualquer forma de conciliação, pois aquilo era a perda de algo que ela pensou ter posse. Era o orgulho sendo ferido. 
Por fim, não tinha mais espaço para se ocupar na princesa – antes apaixonada, e agora desiludida. 
Cansado de meninas com limitações emocionais e físicas, quis ser um homem  ou uma mulher bem resolvido(a). 
Portanto, antes de incluir-se em um escolhido, observou-o.
Era um dançarino. O típico cara extrovertido e desapegado, apaixonado por folias e promiscuidade. 
Considerado a ovelha negra da família por ser homossexual, tinha alegria em viver por desfrutar de uma alma livre. Sem muitas ambições de futuro, vivia os momentos intensamente e não estava nem aí para padrões de relacionamentos. Não se preocupava com opiniões alheias. 
Aquele arquétipo chamou a atenção do ser que o observava.
Só que a vida lhe acometeu de uma surpresa.
O homem fora assassinado por consequência de simplesmente ser o que era.
Mesmo sem possuir sentimentos, o ser vagante quis, de alguma forma, justiça.
Portanto, por não ter tido a possibilidade de adentrar no assassinado, seu próximo corpo foi um assassino.
Um rapaz pobre e acometido por vários sofrimentos provocados por pessoas que o machucaram. Esse guardava um enorme rancor de pessoas mesquinhas e preconceituosas. Seu objetivo era pagar na mesma moeda por todo o mal que lhe fizeram.
Mas teve um porém: ele descobriu que a vingança era um tipo de veneno. O assassino, dessa forma, também era de si mesmo. 
A criatura bem entendeu que não podia se adequar a um mortal que queria por fim na vida de outros.
Estava perdendo a esperança nos propósitos dos seres humanos e, por isso, decidiu que o próximo seria seu último corpo.
Procurou uma autoridade absoluta.
Tornou-se um rei.
Mas, nesse caso, ele se esqueceu de sua condição humana. O engrandecimento do ego e a conquista do poder corrompeu-o por inteiro.
A sorte é que tudo na vida é finito. Então, no momento certo, livrou-se dele.
Em sua última forma, aquele ser não identificável tomou as características de um anjo – ou um demônio, não é do nosso feitio definir com clareza.
Refletiu sobre tudo que passou enquanto se modificava por personalidades humanas. 
O inevitável karma. 
Talvez não haja qualquer salvação que seja, eternidade ou plenitude. Afinal, para quê?
Difícil compreender o propósito dos propósitos. A verdadeira significação de tudo.
 Isso se for cabível de ser compreendida. 
Agora, o anjo, que também já foi uma criança, uma virgem, uma princesa, um dançarino, um assassino e um rei, passa essa mensagem a mim, o escritor.
Escrever é mais simples, pois falar tem sido tão difícil...
A fala carrega o peso imaterial da vida e às vezes não transmite de maneira tão clara o que se quer passar. 
Enfim, vos escrevo por isso.





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