segunda-feira, 15 de junho de 2015

Previsões

por Matheus Campos
Esse caso aconteceu com uma moça precocemente adulta.
Precoce sim, pois, aos 16 anos, ainda desfrutava das regalias da chamada adolescência. Mas, por iminência de sua impressionante maturidade – a qual a tornava mais responsável que outras pessoas de seu tempo -, ela tinha que carregar o peso de uma certeza: apesar de estar presa num corpo jovem, sua alma era antiga. Ao menos ela pensava assim.
Essa moça caminhava intranquila pelo centro de São Paulo – a ausência de uma calmaria no âmago de si mesma se dava por ela ser tensa. Cheia de preocupações. Relaxar? Nunca!
Estava cansada porque o clima era quente, a temperatura atingia a marca dos 35ºC naquela tarde de verão. Havia acabado de sair da escola e precisava chegar a sua casa com urgência, pois também tinha fome.
Eis que a vida lhe acomete de uma surpresa: uma suposta cigana interrompe sua caminhada e oferece a tal “leitura de mãos”. Cigana daquelas que se encontram nas ruas, geralmente vestidas de saias longas e com muitos acessórios femininos de significados esotéricos pelo corpo.
A garota recusou a proposta educadamente e seguiu seu caminho, mas, de longe, a mulher lhe gritou:
“Você terá um encontro com a morte hoje”.
O grito constituiu uma situação de abuso.
Aquelas palavras agrediram-na de uma maneira desagradável. Por um breve instante, até esqueceu-se de que não tinha medo da morte e não acreditava em futuro. Para ela, o ‘amanhã’ não existe. A vida acontece no gerúndio. O pressuposto de que tudo está acontecendo e nunca vai acontecer.
Mas o prognóstico da mulher, falso ou não, fez com que a menina seguisse adiante para seu destino com uma imorredoura preocupação daquilo que se é definitivo: a morte. O encontro. Tão cedo?
Em minutos de passos pesados, chegou em seu lar.
Após se alimentar, resolveu ler sentada no jardim. O livro era “A hora da estrela” de Clarice Lispector.
De repente, outra surpresa (aquele dia estava cheio delas): Observou uma abelha no seu antebraço. Por seu medo desmesurado de abelhas, sem pensar, movimentou-se de forma brusca com objetivo de tirá-la de lá.
Sentiu a dor do ferrão.
O famigerado ferrão que a abelha deixa ao atacar e, posteriormente, morrer.
Ela quase chorou, mas um estalo em sua mente fê-la perceber uma delicada coisa: a cigana estava certa. O encontro com a morte aconteceu.
Irônico pensar no carma das abelhas – talvez tão condizente quanto o dos seres humanos.
Mas, apesar dessa inesperada confirmação, a garota não podia acreditar em previsões.
Sabia que tinha várias preocupações enclausuradas pelo medo, pois esse medo justamente se tornava maior pela inconsequência das surpresas. Inevitáveis, mas, ainda sim, inconsequentes. Ou apenas consequentes como os fatos que acontecem no gerúndio da vida. Isso é cabível de compreensão?
Previsões são inúteis, pois, afinal, não houve previsão para o encontro da cigana que a desestabilizou naquela tarde; e, muito menos, para o adiamento daquela prova para qual ela estudou arduamente no fim de semana pensando que estava com o prazo apertado; e quem dirá o beijo que recebeu do menino do qual pensou que a odiava...
Não é possível prever a importância que as pessoas passarão a ter. Nem os dissabores que uma situação nova pode proporcionar.
Apesar de garantir uma segurança maior, o previsível no cotidiano causaria um incômodo mais medonho que a única certeza absoluta: a morte e, principalmente, mais angustiante que o próprio desenrolar natural da vida.
Após tirar o ferrão, com uma tranquilidade que antes não possuía, a menina voltou a acompanhar a história de Macabéa no livro.
Uma última surpresa sarcástica: a personagem estava prestes a ter um encontro com uma cartomante.





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