quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Visceralmente eu

por Matheus Campos

No recôndito de mim encontrei o meu oposto.
Vi o seu rosto.
Senti o seu desgosto.
E tudo isso também é meu.
Ele é meu maior aliado e também aquele com quem tenho o pior dos conflitos. Esconde-se na minha carcaça por medo das vozes que surgem para atormentá-lo à noite. Os pássaros de asas cortadas se aninham todos no escuro - e eles conversam entre si como se conhecessem todos os meus segredos mais sombrios, tal qual o pior de todos: eu os deixei incapacitados de voar. E não nego que foi por puro egoísmo humano.
O mesmo egoísmo que já não quis ajudar por preferir a si mesmo. O mesmo que, um dia, invejou por raiva de outrem. É o mesmo que também deseja - profundamente. A satisfação imediata de ser e receber. O gozo nos prazeres do mundo. Muitas vezes tão imerso em mim que me esqueço de todo o resto. 
... Encontro-me com o lado negro de mim porque visceralmente sou. O ser de amor e bondade é real, mas muitas vezes se disfarça de uma máscara cintilante que atrai - o obscuro, o intrínseco, o desbocado afasta, mas também atrai: o mais verdadeiro que há. É uma dança entre os dois lados. Ambos são intensamente um só.
Obstinadamente o meu lado inverso se desfaz e, só então, eleva a minha enigmática alma ao lembrar-se de suas ambições.  O entrelaçamento daquilo que desperta nos meus sonhos com aquilo que vivo cria o apogeu do que sou, do que fui e do que jamais serei.
O grito enclausurado quase me matou, mas o silêncio me fortaleceu. O silêncio arrebatou qualquer emoção que poderia arrancar minhas entranhas. Levar-me-ia ao fundo do céu antes que eu caísse no mais profundo buraco.

Permanecem, enfim, a indiciosa vontade própria e o mais belo sonho humano. Unidos. Sendo, cada um deles, visceralmente eu.