Parte III
Começar a seguir esse novo caminho sozinho não foi uma
tarefa difícil para o híbrido.
Longe da multidão, absorto, passou a refletir sobre toda a
construção do seu ser desde o momento que foi entranhado nesse mundo. Sempre
achou tão injusto o modo como ele foi introduzido a toda essa nova realidade
sem conhecimento prévio algum dela, e sem nem ao menos lembrar-se de como
surgiu e de onde veio. Mas divagando, deu-se conta de que, mesmo não sabendo de
nada, havia nele a certeza da necessidade de um propósito. Essa busca pelo amor
e pela felicidade talvez o levasse a algum lugar, talvez as suas questões
fossem respondidas. Estava esperançoso, como sempre.
Na sua jornada, encontrou no meio do caminho algo que
o surpreendeu: Alguém estava apressadamente vindo à direção oposta da qual ele
estava seguindo. Esse ser também tinha asas! E era a criatura mais obscura e
encantadora que já tinha visto. O híbrido havia encontrado outro semelhante a
ti e isso o deixou perplexo. E foi tomado por uma súbita vontade ferrenha de se
juntar a ele - e ao mesmo tempo por um medo de se aproximar por causa de sua insegurança.
Por impulso, após ele passar ao seu lado e seguir em frente para o caminho que
ele já tinha passado, o híbrido deu meia volta e passou a segui-lo, e logo
estava no meio da multidão novamente.
Passou a observar sem ser observado todos os passos daquele
ser estonteador. Adquiriu certo vício a aprender sobre ele. Reparou que o seu
semelhante levava uma vida parecida com a que ele tinha antes de se emancipar.
Viu-se imerso nos encantamentos desse outro híbrido tão profundo,
introspectivo, poético e misterioso. Foi seduzido por alguém que parecia
intrinsecamente ser uma cópia de si mesmo. Isolado na multidão; assim como ele
já esteve. Sentiu que precisava se aproximar. Escreveu uma mensagem para isso
e, após muita relutância, tomou coragem e a entregou. Foi tudo tão rápido...
Ele sabe que o assustou, apesar dele ter se mostrado
curioso a seu respeito. Quando
tiveram a chance de se comunicarem, passaram a conhecer um ao outro. O híbrido
perdido indicou o caminho que estava seguindo e, corajosamente, perguntou se o
outro queria voltar pra lá junto com ele, para aquela busca. E então, o
misterioso ser se assustou mais uma vez com o jeito apressado desse
surpreendente estranho, e ao mesmo tempo tão familiar, que chegou até ele. Não
deu uma resposta de imediato, mas alertou que já tinha ido por aquele caminho e
que inclusive já aprendeu a voar! Mas a sua queda foi fatal e o machucou de uma
maneira que quase o fez perder a vida; e por isso, havia prometido a si mesmo
que nunca mais iria por lá novamente.
Mas ainda sim, o híbrido queria aprender a voar. Achou que
esse outro poderia ensiná-lo...