por Matheus Campos
O príncipe acordou no meio da noite com um súbito desejo de ir às estrelas.
O príncipe acordou no meio da noite com um súbito desejo de ir às estrelas.
Estava
deitado e nu debaixo dos galhos de uma grande árvore com raízes antigas. Nu,
pois queria o contato cru com a natureza guiado pelo intuito de sê-la, pois ele
era.
Ele
olhava para as estrelas com um interesse genuíno de conhecê-las e, quem sabe,
falar com elas. Achava que talvez pudessem ser intercedentes de um Deus do qual
tanto procurava. Aliás, ele mantivera uma relação com esse Deus por muito
tempo; o contato entre eles era por meio de cartas - sim, o príncipe frequentemente
escrevia cartas a Ele (ou ao universo, ou à natureza, ou ao nada: a definição
não cabe a mim).
Ele
fazia isso com uma convicção estranha, pois foi lhe ensinado há muito tempo que
Deus é onipresente. Mas, ainda sim, o menino tinha a necessidade de exorcizar
seus pensamentos, súplicas, agradecimentos e temores por meio da escrita. Ele
sempre esperava por uma forte ventania como um sinal do céu. A força do ar era, por falta de palavra
melhor, o correio, e o rumo dos ventos levaria suas palavras no papel a um suposto poder
superior.
Eis uma certeza inabalável: receberia uma
resposta, cedo ou tarde, com um porém: não em palavras escritas.
Mas,
dessa vez, observando as estrelas, o príncipe já não tinha vontade de escrever.
Queria mais. O desejo era de estar cara a cara com o seu criador. Desejava
chegar aos céus por si só, pois estava cansado do mundo terreno.
Caros leitores, agora cheguei a um
ponto da história em que não posso mais narrar de maneira onisciente. A partir
de então, para que vós entendais melhor os pensamentos dele, serei o príncipe.
Permita-me infringir o próprio espaço-tempo.
Não,
por favor, não tente me adequar. Não espere nada de mim: deixe-me ser. Quero ser levado como se eu fosse o próprio
vento que embala minhas palavras ao divino. Estou cansado. Oh sim, estou
realmente cansado.
Será
que perdi a fé nos homens? Fatigo-me da gravidade e de tudo que é real. Quero o
não-visto. Desejo a irrealidade que de tão profunda se torna uma nova
realidade.
Disse
isso aos poucos amigos que confio e já me arrependo das palavras ditas, mais
até do que aquilo que nunca foi dito. Mal finalizei e pela reação não desejada
tentei me justificar: não, não é bem
assim, me deixa explicar melhor. Pra quê? Quero a compreensão ou a
aceitação? Não quero.
Quantas
vezes desisti de partes de mim por outrem?! Quantas vezes fugi de olhares e
palavras, não por covardia, mas para que no desencontro eu busque a mim
novamente e, consequentemente, a eles?!
Mas,
apesar de tudo, há o bom: zombo deles por serem céticos. A arrogância daqueles
que não acreditam em almas por não terem encontrado as suas.
Sendo
assim, torno-me arrogante também? Talvez sim. Sei que não sou comum - quem dera
eu fosse. Que Deus me perdoe, mas há
momentos em que eu preferiria ter nascido um comerciante pobre a um príncipe
cheio de luxos.
Ainda
há o fato de que preciso socializar. Relacionar-me aos outros.
Mas
é justo que isso, ao invés de complementar, subtraia um pouco da minha
humanidade?
Por
considerar certos fatores insípidos em minha vida, já não me quis. Por isso,
procurei alguém para dar o que vivi e, por puro egoísmo humano, quis o que o
outro vivia também.
Louco, vá se tratar,
eles diziam. Eu nunca fui louco: sou único. Mas não digo que sou original. Sou
demais a cópia da cópia para me tratar com exclusividade. Em suma, sou o
sangue, a carne, e, também, as emoções, as chagas, os princípios.
É-me
aprazível ser.
Percebo
a compreensão que adquiri. É ignóbil adentrar na intimidade de alguém e
julgá-la. Não há a resolução no alheio, somente em nós mesmos, pois o
redemoinho dos sentimentos de cada um é perigoso. Não queira o todo separando
fragmentos. Não queira o melhor sem o pior. Não queira a compreensão plena sem
antes passar pela confusão.
Sei
disso porque já lidei com a grosseria e fui ferido, assim como lidei com a
sensibilidade e também feri.
Já
amei ao ponto de querer possuir. Já odiei ao ponto de querer dizimar. Qual
desses é mesmo o amor ou o ódio? Ou nenhum dos dois? Os dois. Inexplicavelmente
ambos se alimentam da mesma raiz.
Essas
palavras talvez já sejam exploradas nas mentes de muitos e entendidas nos
corações de poucos. Clichês, como a rotina, as escolhas, a vida em si. Até o
mais complexo é simples, porque até o diferente se torna igual.
Não
sou nem quero ser sozinho. Apesar de ser amigo do silêncio, temo
imensuravelmente a solidão. Eu não preciso deles e, arduamente, preciso.
Mas
agora, estou cansado.
Entrego-me,
portanto, ao destino de seguir às estrelas.
Agradeço
antes aos céus por todo o sofrimento.
Sou
grato pelas desuniões, desamores e até pelos fatídicos encontros.
A
felicidade da luz só foi encontrada ao passar pelo túnel escuro de meus
dissabores.
Sim,
agora eu posso ver com clareza. Mais do que isso: estou sendo.
E,
então, queimo com toda a força. E brilho.
Brilho
cada vez mais.
Já
não preciso mais me encontrar com as estrelas, pois me tornei uma.
Encontrei
Deus em mim.
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