segunda-feira, 27 de julho de 2015

Leve-me às estrelas

por Matheus Campos

            O príncipe acordou no meio da noite com um súbito desejo de ir às estrelas.
Estava deitado e nu debaixo dos galhos de uma grande árvore com raízes antigas. Nu, pois queria o contato cru com a natureza guiado pelo intuito de sê-la, pois ele era.
Ele olhava para as estrelas com um interesse genuíno de conhecê-las e, quem sabe, falar com elas. Achava que talvez pudessem ser intercedentes de um Deus do qual tanto procurava. Aliás, ele mantivera uma relação com esse Deus por muito tempo; o contato entre eles era por meio de cartas - sim, o príncipe frequentemente escrevia cartas a Ele (ou ao universo, ou à natureza, ou ao nada: a definição não cabe a mim).
Ele fazia isso com uma convicção estranha, pois foi lhe ensinado há muito tempo que Deus é onipresente. Mas, ainda sim, o menino tinha a necessidade de exorcizar seus pensamentos, súplicas, agradecimentos e temores por meio da escrita. Ele sempre esperava por uma forte ventania como um sinal do céu. A força do ar era, por falta de palavra melhor, o correio, e o rumo dos ventos levaria suas palavras no papel a um suposto poder superior.
 Eis uma certeza inabalável: receberia uma resposta, cedo ou tarde, com um porém: não em palavras escritas.
Mas, dessa vez, observando as estrelas, o príncipe já não tinha vontade de escrever. Queria mais. O desejo era de estar cara a cara com o seu criador. Desejava chegar aos céus por si só, pois estava cansado do mundo terreno.

Caros leitores, agora cheguei a um ponto da história em que não posso mais narrar de maneira onisciente. A partir de então, para que vós entendais melhor os pensamentos dele, serei o príncipe. Permita-me infringir o próprio espaço-tempo.

Não, por favor, não tente me adequar. Não espere nada de mim: deixe-me ser.  Quero ser levado como se eu fosse o próprio vento que embala minhas palavras ao divino. Estou cansado. Oh sim, estou realmente cansado.
Será que perdi a fé nos homens? Fatigo-me da gravidade e de tudo que é real. Quero o não-visto. Desejo a irrealidade que de tão profunda se torna uma nova realidade.
Disse isso aos poucos amigos que confio e já me arrependo das palavras ditas, mais até do que aquilo que nunca foi dito. Mal finalizei e pela reação não desejada tentei me justificar: não, não é bem assim, me deixa explicar melhor. Pra quê? Quero a compreensão ou a aceitação? Não quero.
Quantas vezes desisti de partes de mim por outrem?! Quantas vezes fugi de olhares e palavras, não por covardia, mas para que no desencontro eu busque a mim novamente e, consequentemente, a eles?!
Mas, apesar de tudo, há o bom: zombo deles por serem céticos. A arrogância daqueles que não acreditam em almas por não terem encontrado as suas.
Sendo assim, torno-me arrogante também? Talvez sim. Sei que não sou comum - quem dera eu fosse.  Que Deus me perdoe, mas há momentos em que eu preferiria ter nascido um comerciante pobre a um príncipe cheio de luxos.
Ainda há o fato de que preciso socializar. Relacionar-me aos outros.
Mas é justo que isso, ao invés de complementar, subtraia um pouco da minha humanidade?
Por considerar certos fatores insípidos em minha vida, já não me quis. Por isso, procurei alguém para dar o que vivi e, por puro egoísmo humano, quis o que o outro vivia também.
Louco, vá se tratar, eles diziam. Eu nunca fui louco: sou único. Mas não digo que sou original. Sou demais a cópia da cópia para me tratar com exclusividade. Em suma, sou o sangue, a carne, e, também, as emoções, as chagas, os princípios.
É-me aprazível ser.
Percebo a compreensão que adquiri. É ignóbil adentrar na intimidade de alguém e julgá-la. Não há a resolução no alheio, somente em nós mesmos, pois o redemoinho dos sentimentos de cada um é perigoso. Não queira o todo separando fragmentos. Não queira o melhor sem o pior. Não queira a compreensão plena sem antes passar pela confusão.
Sei disso porque já lidei com a grosseria e fui ferido, assim como lidei com a sensibilidade e também feri.
Já amei ao ponto de querer possuir. Já odiei ao ponto de querer dizimar. Qual desses é mesmo o amor ou o ódio? Ou nenhum dos dois? Os dois. Inexplicavelmente ambos se alimentam da mesma raiz.
Essas palavras talvez já sejam exploradas nas mentes de muitos e entendidas nos corações de poucos. Clichês, como a rotina, as escolhas, a vida em si. Até o mais complexo é simples, porque até o diferente se torna igual.
Não sou nem quero ser sozinho. Apesar de ser amigo do silêncio, temo imensuravelmente a solidão. Eu não preciso deles e, arduamente, preciso.
Mas agora, estou cansado.
Entrego-me, portanto, ao destino de seguir às estrelas.
Agradeço antes aos céus por todo o sofrimento.
Sou grato pelas desuniões, desamores e até pelos fatídicos encontros.
A felicidade da luz só foi encontrada ao passar pelo túnel escuro de meus dissabores.
Sim, agora eu posso ver com clareza. Mais do que isso: estou sendo.
E, então, queimo com toda a força. E brilho.
Brilho cada vez mais.
Já não preciso mais me encontrar com as estrelas, pois me tornei uma.
Encontrei Deus em mim.

 


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