por Matheus Campos
Passaram-se nove meses
desde a última vez que Clara entrou em conflito com a sua sanidade.
Comumente, o mesmo tempo
de gestação de uma grávida.
Irônico, pois ela, apesar
de há tempos não ter relações sexuais, sentia-se exatamente dessa maneira: como
se estivesse carregando algo dentro de si - análogo a um feto que cresce dentro
da barriga.
E então, finalmente,
chegou a hora de fazer o parto.
Clara vai dar à luz -
mesmo sem nunca ter encontrado saída para a sua escuridão, a não ser pelo
próprio nome.
Aliás, antes de mais
nada, é preciso ressaltar que há um medo desmesurado durante esse processo...
Não, não é o medo natural
que uma verdadeira grávida poderia ter, é algo maior.
Clara está prestes a dar
vida a algo que ela nem sabe o que é. E, certamente, não é outro ser vivo.
No seu quarto, ela está
nua, à deriva. Esperando a hora. Sempre esperando...
Seu estado é deplorável.
Está aparentemente triste e sentada na beirada da cama diante de suas roupas
sujas jogadas no chão. O cheiro da fumaça do cigarro impregnado nelas é
tão repugnante quanto o vômito que deixou no banheiro daquele bar. E a repulsa,
ironicamente, não é pelo aroma do tabaco. As circunstâncias dos fatos
daquele fatídico contato com sua natureza ébria fedem mais.
Não cabe a mim entrar em
detalhes do que lhe aconteceu. Só posso dizer que envolve fraquezas e,
principalmente, sentimentos profundos. Confusos, mas todos filtrados com a mesma
intensidade.
Às vezes ela pensa que é
bipolar.
Tripolar;
Quadripolar.
A vida - e por dizer
'vida' remeto à sociedade, aos moralismos, às relações humanas - faz com que
ela se sinta cada vez mais isolada e desamparada. Os rótulos causam angústia. As buscas incessantes.
Não sabe onde se encaixa.
Ou se é cabível de encaixar em algo.
Por vezes feliz. Outrora
infeliz. Feliz. Infeliz.
Felizinfelizfelizinfelizfelizinfelizfelizinfeliz.
Assim segue o ciclo,
quase como num loop eterno.
Ela não sabe mais o que
quer, somente tem a compreensão do que não gosta. Ela vê. Ela teme. Ela
deseja.
Ela.
Em instantes, vem a
autopercepção do seu egoísmo.
A naturalidade do ser.
A verdade é única: Tudo
que ela fez consigo mesma tinha mais a ver com fragmentos inúteis que não
ajudam a constituir o todo. Algo como tentar montar um quebra-cabeça com peças que não
se conectam.
Seu quarto está imerso
sob uma penumbra, mas com um simples ato, Clara o ilumina por inteiro.
O parto acontece sem a
ajuda de ninguém e nessa hora acontece o milagre mais surpreendente:
O ser humano faz nascer a
si mesmo.
A vida morre e concebe
outra - não um bebê e nem mesmo uma outra mulher, apenas vida.
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