quinta-feira, 7 de maio de 2015

Nascimento incongruente

por Matheus Campos


Passaram-se nove meses desde a última vez que Clara entrou em conflito com a sua sanidade.
Comumente, o mesmo tempo de gestação de uma grávida.
Irônico, pois ela, apesar de há tempos não ter relações sexuais, sentia-se exatamente dessa maneira: como se estivesse carregando algo dentro de si - análogo a um feto que cresce dentro da barriga. 
E então, finalmente, chegou a hora de fazer o parto.
Clara vai dar à luz - mesmo sem nunca ter encontrado saída para a sua escuridão, a não ser pelo próprio nome.
Aliás, antes de mais nada, é preciso ressaltar que há um medo desmesurado durante esse processo...
Não, não é o medo natural que uma verdadeira grávida poderia ter, é algo maior. 
Clara está prestes a dar vida a algo que ela nem sabe o que é. E, certamente, não é outro ser vivo.
No seu quarto, ela está nua, à deriva. Esperando a hora. Sempre esperando...
Seu estado é deplorável. Está aparentemente triste e sentada na beirada da cama diante de suas roupas sujas jogadas no chão. O cheiro da fumaça do cigarro impregnado nelas é tão repugnante quanto o vômito que deixou no banheiro daquele bar. E a repulsa, ironicamente, não é pelo aroma do tabaco.  As circunstâncias dos fatos daquele fatídico contato com sua natureza ébria fedem mais. 
Não cabe a mim entrar em detalhes do que lhe aconteceu. Só posso dizer que envolve fraquezas e, principalmente, sentimentos profundos. Confusos, mas todos filtrados com a mesma intensidade.
Às vezes ela pensa que é bipolar.
Tripolar;
Quadripolar.
A vida - e por dizer 'vida' remeto à sociedade, aos moralismos, às relações humanas - faz com que ela se sinta cada vez mais isolada e desamparada. Os rótulos causam angústia. As buscas incessantes.
Não sabe onde se encaixa. Ou se é cabível de encaixar em algo. 
Por vezes feliz. Outrora infeliz. Feliz. Infeliz.
Felizinfelizfelizinfelizfelizinfelizfelizinfeliz.
Assim segue o ciclo, quase como num loop eterno.
Ela não sabe mais o que quer, somente tem a compreensão do que não gosta. Ela vê. Ela teme. Ela deseja. 
Ela.
Em instantes, vem a autopercepção do seu egoísmo.
A naturalidade do ser.
A verdade é única: Tudo que ela fez consigo mesma tinha mais a ver com fragmentos inúteis que não ajudam a constituir o todo. Algo como tentar montar um quebra-cabeça com peças que não se conectam.
Seu quarto está imerso sob uma penumbra, mas com um simples ato, Clara o ilumina por inteiro. 
O parto acontece sem a ajuda de ninguém e nessa hora acontece o milagre mais surpreendente:
O ser humano faz nascer a si mesmo.

A vida morre e concebe outra - não um bebê e nem mesmo uma outra mulher, apenas vida.








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